terça-feira, 20 de março de 2018

A História e a verdade



Em 8 de março de 2018, já eram mais de 34 universidades que tinham aderido à proposta de cursos que discutirão o Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil, na mesma linha inicial da Universidade de Brasília. Esse número cresce a cada dia, e tende a aumentar ainda mais.
Com tal postura, essas instituições reiteram o seu compromisso e coerência com a verdade e a História. Neste ponto, a Universidade, como propagadora de conhecimentos e saberes, é elemento fundamental para esclarecer os brasileiros e brasileiras sobre o que de fato representou o famigerado “impeachment” forjado por Eduardo Cunha, Aécio, Temer, CIA e muitas outras figuras nefastas da política nacional.
O curso reflete o real papel da universidade pública em problematizar a história recente do Brasil. As iniciativas configuram-se num nobre gesto de solidariedade aos ataques sofridos pelo prof. Luís Felipe Miguel da UNB e de evidente repúdio aos posicionamentos do Ministro da Educação, o qual destilou o seu mais profundo desrespeito ao princípio constitucional da autonomia universitária. 
Para além disso, discutir o golpe de 2016 no ambiente acadêmico faz da universidade e de seus estudantes protagonistas de seu próprio tempo e os capacita a entenderem o contexto em que se engendrou toda a arquitetura do golpe e a farsa midiática,  jurídico e parlamentar que deu sustentação a esse trágico episódio que destituiu da Presidência da República Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de brasileiros e brasileiras. A iniciativa de um curso como tal é elementar para se compreender como se desenrolaram as atuais ações do governo Temer, que, com a devida vênia aos artistas do picadeiro, mais parece um circo político.
Estudar o golpe perpetrado em 2016 contra a população e a democracia brasileira é condição basilar até mesmo para compreendermos o sentido das gravações feitas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, e divulgadas pela imprensa naquele mesmo. Machado fechou um acordo de delação premiada no âmbito da Lava Jato. A gravação contém trechos em que o senador Romero Jucá (MDB/RR) afirma ser necessário "estancar a sangria", referindo-se às investigações, propondo como solução o impeachment de Dilma Rousseff:
Jucá - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. (...) Tem que ser política, advogado não encontra (inaudível). Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
Machado - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel (Temer).
Jucá - Só o Renan (Calheiros) que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
Machado - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
Jucá - Com o Supremo, com tudo.
Machado - Com tudo, aí parava tudo.
Jucá - É. Delimitava onde está, pronto.
Como os efeitos do golpe ainda não cessaram, não é de se estranhar que a imprensa e o próprio judiciário tenham tratado com a maior naturalidade possível o recente encontro de Temer com Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, digamos, para tomar um café e colocar a conversa em dia. Em que país sério um presidente investigado toma café com o juiz que o investiga?
Temer está diante de um incômodo neste momento. O ministro Luís Roberto Barroso pediu a quebra de sigilo bancário do presidente para instruir um inquérito aberto contra ele na corte. Barroso determinou a quebra de 1º de janeiro de 2013 a 30 de junho de 2017 em investigação do decreto dos portos. O peemedebista é suspeito de receber propina para favorecer empresas do ramo portuário na publicação que alterou regras do setor.
Justamente pelo fato de o golpe se travestir de diversas formas, mais do que nunca é válido aqui reafirmar o seguinte dito: quem não conhece a própria história, está fadado a repeti-la. Que cada cidadão e cidadã esteja aberto a problematizar e entender a história deste País chamado Brasil.
Viva a história. Viva a verdade.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Sarau da Confraria debate atuação dos conselhos tutelares, avanços e desafios da política pública para crianças e adolescentes

Confraria trouxe poesia, música, exposição artística e debate: uma boa dose para a reflexão.



A quinta edição do Sarau da Confraria dos Comuns foi especial. Realizada na Vanguarda Vitrine Hall,  dia 1º de outubro, em parceria com o Núcleo de Base Paulo Freire, o evento teve a proeza de reunir artistas, representantes da sociedade civil organizada, militantes do Partido dos Trabalhadores e de outras agremiações partidárias, lideranças comunitárias, gestores públicos e comunidade em geral. 

Palestrante da noite, Marcelo Nascimento, Coordenador-Geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR, fez questão de deixar claro o posicionamento do governo federal contra projetos que retiram direitos infanto-juvenis. O coordenador também reiterou a necessidade de qualificação da estrutura de conselhos e de avanços na luta pelos direitos.

Com o intuito de proporcionar o debate e a reflexão sobre as atribuições do Conselho Tutelar, além dos avanços e desafios das políticas públicas voltadas para a promoção, proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes, os apresentadores Hellen Chisthyan e Isaac Mendes chamaram a atenção do público para uma série de retrocessos que ameaçam conquistas fundamentais desse e de diversos outros segmentos sociais. Para se ter ideia, tramitam na Câmara e no Senado projetos que defendem o rebaixamento da maioridade penal, a redução da idade para o trabalho, que colocam em risco vários avanços importantes assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei Federal 8.069/1990).

“Vivemos tempos de profundos retrocessos, no momento em que o Congresso Nacional analisa propostas que buscam retroceder nos direitos de crianças e adolescentes, jovens, negros e negras, mulheres, indígenas, comunidade LGBT e demais minorias. Cenário ainda pior, é a existência de uma oposição rancorosa e golpista, aliada a uma imprensa falsária, que tentam a todo o momento fragilizar a presidente Dilma Rousseff – eleita legitimamente - e a ordem democrática do nosso país. Uma oposição que não aceitou a derrota eleitoral de 2014 e insiste em fazer o seu terceiro turno. Por isso, a importância de estarmos sempre mobilizados para que a sociedade não retroceda naquilo que conquistamos com muita luta e esforço,” destacou Hellen na abertura do sarau.

Ao tratar do tema, Nascimento fez referência ao aniversário de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, relevante instrumento jurídico responsável pelos avanços e garantias dos direitos infantis, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária. Para ele, ao longo de todos esses anos, o Brasil retirou seus meninos e meninas da invisibilidade ao propor um conjunto de iniciativas para garantir-lhes prioridade absoluta nos programas sociais.

“Uma dessas iniciativas foi o processo de fortalecimento institucional e estrutural dos Conselhos Tutelares. O governo federal fomentou, junto a estados, municípios e Distrito Federal, a criação, a equipagem e a atuação de Conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes e de Conselhos Tutelares”, explicou.

Criados pela Lei 8.069 de 1990, o ECA, os Conselhos Tutelares desempenham função estratégica no Sistema de Garantia de Direitos: a de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, ajudando no enfrentamento à negligência, à violência física, à violência verbal, à exploração sexual e a outras violações.

O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, e que se situa principalmente no eixo da defesa do Sistema de Garantias de Direitos, mas que tem suas atribuições diretamente atreladas aos demais atores desse sistema, sendo responsável por auxiliar e conduzir a defesa dos direitos da criança e do adolescente, acionando a participação de todos os demais grupos responsabilizados.

Para Marcelo, uma vez que os Conselhos Municipais de Direitos são responsáveis por elaborar e monitorar as políticas voltadas à criança e ao adolescente, são os Conselhos Tutelares que podem garantir, de fato, que esses direitos sejam efetivados, já que atuam na aplicação e fiscalização dessas políticas, tendo um papel importante na proteção jurídico social dos direitos da criança e do adolescente.

Mais direitos para quem é da periferia

O militante da Juventude do Partido dos Trabalhadores, Vinicius Borba, participou do debate e criticou o Governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), pelo descaso com os direitos da infância e juventude das periferias. O artista e jornalista de São Sebastião foi contundente ao atacar o aumento das passagens de ônibus, o corte do passe livre estudantil para horas vagas e a negação do direito às creches. Defendeu a eleição de candidatos de esquerda na defesa dos direitos das crianças e das mulheres e mães diretamente afetadas por essas políticas.

Para o Secretário de Juventude do PT de São Sebastião, Isaac Mendes, candidato a conselheiro tutelar pela comunidade, é extremamente necessário o fortalecimento dos conselhos nas áreas onde a presença do poder público ainda é ineficaz. Disse da importância de São Sebastião poder contar com pelo menos mais um conselho, tendo em vista a grande demanda por atendimento às famílias devido ao recrudescimento de violações.  

O representante da SDH/PR reforçou, ao final, a criação de Conselhos Tutelares em 100% dos municípios do país é questão de prioridade para o governo federal.  A missão está praticamente concluída, sabendo que dos 5.565 municípios existentes em 2012, 16 tinham Conselhos temporariamente inoperantes e apenas 13 jamais possuíram um Conselho Tutelar.

Marcelo reforçou, ainda, a importância da eleição para o Conselho Tutelar em todo o Brasil, em 04 de outubro. Segundo ele, trata-se de um momento fundamental onde toda a comunidade deve se fazer presente e mostrar o seu protagonismo na escolha daqueles e daquelas que detém a capacidade para assegurar os direitos de meninos e meninas.

Participaram também do debate os candidatos ao Conselho Tutelar Iara Cordeiro, Alex Sousa e Herlis Alves; os membros do Núcleo de Base Paulo Freire, Elias Silva, Onézia Alves, Francisco Neri, Mara Alves, Francisco Beto e Socorro Rocha; e os membros da Confraria dos Comuns, Paulo Dagomé e Nanah Farias. 

Música & Arte

Na sequência, o Sarau foi intercalado com apresentações musicais, poesia e muita arte com a exposição de Ricardo Caldeira, feita especialmente para a ocasião.


O casal Pillar e Alessandro encantou o público com repertório que mesclou canções que variaram da MPB aos clássicos da música latina.

Cientes da relevância da temática, os membros do Núcleo de Base Paulo Freire e o coletivo da Confraria dos Comuns buscaram proporcionar ao público uma discussão pedagógica e menos formal sobre os conselhos tutelares, no intuito de despertar o interesse da população sobre o tema na semana que antecedia o processo de escolha dos conselheiros em todo o país.





O evento foi propositivo e deu o seu recado: toda a comunidade deve se colocar à disposição debater o tema, o qual diz respeito a cada pessoa. Todas as pessoas podem ser parte dessa mudança em qualquer lugar onde atuam, seja na escola, no trabalho, nas instituições, nas ruas, nas igrejas, etc. Para tanto, participar é preciso. Ser cidadão é preciso. 






Por Francisco Neri

Fotos: Nanah Farias

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um convite ao debate


 Conselho Tutelar em pauta: funções características e estrutura do órgão de efetivação dos direitos da Criança e do Adolescente”. 


No dia 13 de julho de 2015, o Brasil celebrou o aniversário de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA- Lei Federal 8.069/1990), relevante instrumento jurídico responsável pelos avanços e garantias dos direitos infantis, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.

Todavia, o rebaixamento da maioridade penal, a redução da idade para o trabalho, dentre tantos outros retrocessos em discussão no Congresso Nacional, ameaçam conquistas e avanços importantes assegurados pelo ECA. Portanto, conhecer e discutir os mecanismos de implementação da política de proteção integral do segmento infanto-juvenil torna-se extremamente importante e representa notável exemplo de cidadania.

Mas, a quem diz respeito, afinal, cuidar dos direitos de crianças e adolescentes? Se pensarmos com o espírito da individualidade e do comodismo, certamente diremos, sem dúvida, que essa é uma tarefa tão somente de competência das autoridades governamentais e dos inúmeros órgãos. Mas, se analisarmos a questão sob a ótica da responsabilidade social que se espera de cada ser humano, cidadão do mundo, por certo diremos que, se não somos parte do problema, somos parte da solução. Logo, somos todos responsáveis.

No próximo dia 4 de outubro, será realizado em todo o Brasil o processo de escolha dos conselheiros tutelares, protagonistas fundamentais, porta-vozes da comunidade escolhidos para assegurar os direitos de meninos e meninas.  O Conselho Tutelar, por sua vez, é órgão permanente de garantia, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente definidos no ECA. 

Conhecer as funções, características e a estrutura deste importante órgão de efetivação de direitos é um passo importante para se ter maior controle social  da fiscalização, implementação e do monitoramento da execução das políticas publicas voltadas para crianças.

Como forma de dialogar e refletir com gestores, conselheiros tutelares em exercício, membros de instituições locais, atores do Sistema de Garantia de Direitos e principalmente os candidatos ao Conselho Tutelar de São Sebastião e região, o Núcleo de Base Paulo Freire - Partido dos Trabalhadores de São Sebastião, por meio da Confraria dos Comuns, traz à discussão o tema Conselho Tutelar em pauta: funções características e estrutura do órgão de efetivação dos direitos da Criança e do Adolescente”.  

Cientes da relevância da temática, pretendemos proporcionar ao público o acesso à discussão no intuito de despertar o interesse e conscientizar a população da importância de debater temas ainda pouco explorados, de modo a avançarmos e fazermos da temática “criança e adolescente” uma agenda urgente, a prioridade das prioridades.

Como diz Paulo Freire, a mudança, é em nós que ela existe. Por certo, podemos ser parte dessa mudança em qualquer lugar onde atuamos, seja na escola, no trabalho, nas instituições, nas ruas, em nossas casas, nas igrejas. Por isso, é válido lembrar que para mudar, participar é preciso. Ser cidadão é preciso.

Venha debater, propor, sugerir. A sua opinião é muito importante. As nossas crianças e adolescentes agradecem.

Participe!




quinta-feira, 24 de setembro de 2015

De “marxista” a “ecologista”, a nova briga do papa Francisco com os conservadores



Como explicar que um Papa, pela primeira vez, fala de ecologia num documento do “magistério” da Igreja? O Papa é o chefe espiritual (e político) de mais de um bilhão de homens e mulheres católicos em todos os continentes. Compartilha, com o outro bilhão de cristãos (evangélicos, protestantes, anglicanos, ortodoxos), a narração bíblica da criação (no Gênesis), que impõe ao homem dominar e proteger a terra e todos os frutos de uma natureza criada por Deus.
Da noite dos tempos, o Papa intervém, em tempo oportuno (e com frequência inoportuno!), nos afazeres terrestres, fala de tudo o que diz respeito à humanidade, sua grandeza e suas fraquezas, condena as guerras e a opressão, exalta os pobres, milita “pela vida”, prega a favor da justiça social, por um mundo mais justo, um gênero humano mais solidário. E precisamos esperar este dia 18 de junho de 2015 para que um Papa publicasse, finalmente, uma encíclica, quase inteiramente escrita por seu próprio punho, dedicada ao ambiente, à “salvaguarda da Criação” e daquela que com razão define “a casa comum”, com as relações entre os seres vivos num mundo vivo, as ameaças ecológicas e climáticas que pesam sobre o futuro do planeta e sobre o destino da humanidade.
Tomada de consciência
Alguns o deplorarão, como aqueles bons católicos tradicionalistas (não necessariamente integralistas) que ainda identificam a ecologia com uma batalha dos “esquerdistas”, dos filhos do ’68 e do Larzac. São a favor de uma “ecologia humana” (defesa da vida, da lei natural, da família, luta contra o aborto e o matrimônio para todos), mas desconfiam de uma “ecologia ambiental e global”. O Papa será também criticado – e a coisa já começou nos Estados Unidos – por todos os conservadores céticos sobre as causas das mudanças climáticas, para os quais o aquecimento não é, em primeiro lugar, o resultado da atividade humana e social, mas de dados puramente naturais.
Mas muitos outros ficarão bem felizes com esta (tardia) tomada de consciência na cúpula da Igreja. Todos aqueles, certamente, crentes e ateus, que, no mundo militante, estão na vanguarda das batalhas ecológicas. Também todos aqueles que, nas comunidades cristãs, têm uma experiência direta, em particular no mundo rural, no qual se protege – ou se destrói – o elo com a vitalidade dos seres da natureza. Enfim, todos aqueles que compartilham desta sensibilidade cristã ao tema bíblico da “salvaguarda da Criação”, indissociável das outras lutas evangélicas pela “paz” e a “justiça”. Sobre isto, os cristãos protestantes e ortodoxos sempre estiveram mais na frente dos católicos. Desde 1990, o Conselho mundial das Igrejas (com sede em Genebra) reunia em Seul uma assembleia geral sobre o tema “Justiça, paz e salvaguarda da Criação”. Os católicos não estavam presentes. A eclipse, sobre este tema, da doutrina católica, demasiado presa apenas pela “ecologia humana”, iludiu por muito tempo os teólogos da vanguarda. Como o patriarca ortodoxo de Constantinopla, chamado o “patriarca verde”, está na chefia de muitas associações de defesa do ambiente.
Certamente se poderá dizer que os predecessores do Papa Francisco foram totalmente mudos sobre o argumento. Mas Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI ligavam os desafios ecológicos à esfera da “moral”, ou seja, dos interrogativos sobre a família e sobre a bioética. Para eles, a “degradação” do mundo era uma constatação entre as outras, consciente ou não, do projeto de Deus para a humanidade e para a Criação. Em sua encíclica sobre a “caridade” (Caritas in veritate [Caridade na verdade] de junho de 2009, Bento XVI punha em discussão os entusiasmos de uma globalização que perturba todos os esquemas de desenvolvimento, os modelos econômicos e as estruturas sociais até as “bases” materiais da existência do planeta. Mas defendia em primeiro lugar uma “ecologia do homem”, no qual a liberdade e a responsabilidade individual se articulavam com o desenvolvimento. “Existe uma ecologia do homem”, sublinhava ele ainda em 2011, diante do Bundestag em Berlim.
Ecologia global
O Papa atual ultrapassa um novo limiar. Passa da ecologia do homem à ecologia global. Não é por nada que ele escolheu, na tarde de sua eleição, o nome de Francisco, alusão a Francisco de Assis, santo patrono dos ecologistas, símbolo de fraternidade universal, que dedicou sua vida à reconciliação de todo o mundo criado, terra e céu Acumular bens era para ele uma loucura. Francisco de Assis percorria as estradas, mendigava o seu pão, pregava a conversão. Antes de morrer, compôs o famoso Cântico das criaturas, universalmente conhecido, no qual convidava o “irmão Sol” e “nossa mãe Terra” e todas as criaturas a louvarem Deus.
O título da encíclica do Papa Francisco, “Louvado seja”, é inspirado neste Cântico das criaturas de Francisco de Assis. O Papa Francisco – Jorge Mario Bergoglio – vinha de um continente, a América Latina, no qual as urgências ecológicas estão entre as mais graves. Já tinha mostrado sua grande sensibilidade aos problemas do ambiente por ocasião da conferência dos bispos latino-americanos de Aparecida, no Brasil, em 2007. “Eu ouvia os bispos brasileiros falarem do desflorestamento da Amazônia”, contará ele mais tarde. Como arcebispo de Buenos Aires, apresentou recursos diante da Corte suprema da Argentina para bloquear empresas de desflorestamento no norte de seu país. Hoje se diz em Roma que, para a redação da encíclica, ele consultou padres empenhados em todas as lutas da terra da Amazônia.
Mas, não basta. Tornado Papa, o bispo jesuíta latino-americano fez da luta à pobreza o objetivo prioritário de seu pontificado. A crítica violenta do “neocapitalismo selvagem”, que formula regularmente, do “neocapitalismo selvagem”, do modelo econômico ultraliberal e produtivista, do acúmulo de riquezas improdutivas, não é nova no discurso da Igreja. Desde a encíclica “Rerum novarum” do Papa Leão XIII – em 1891 – a Igreja produziu um corpus de “doutrina social” sólido, que denunciava vigorosamente as desigualdades sociais, respeitado e seguido por gerações inteiras de responsáveis políticos, patronais, sindicais, associativos. Mas, pela primeira vez – e é a novidade da encíclica publicada no Vaticano aos 18 de junho – a Igreja menciona as consequências, em termos ecológicos, traduzidas em outras tantas ameaças para o inteiro planeta, de sua radical contestação dos modos de produção, distribuição e consumo. Após o texto de 2013 que denunciava a “cultura do descarte” e do esbanjamento dos países ricos, a imprensa conservadora dos Estados Unidos havia definido Francisco como “Papa marxista”. Amanhã, tornar-se-á o “Papa ecologista”, louvado por uns, detestado pelos outros.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).

Publicado originalmente em: 

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/de-marxista-a-ecologista-a-nova-briga-do-papa-francisco-com-os-conservadores/

Compromisso com a defesa dos trabalhadores da Caixa


No último dia 12 de agosto, foi instalada a CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito – com o objetivo “de investigar indícios de aplicação incorreta dos recursos e de manipulação na gestão de fundos de previdência complementar de funcionários de estatais e servidores públicos, ocorridos entre 2003 e 2015, e que causaram prejuízos vultosos aos seus participantes”. As reuniões dessa CPI, conhecida como CPI dos Fundos de Pensão, têm contado com a presença de um pequeno, mas barulhento grupo de beneficiários da FUNCEF, que administra o fundo de pensão dos empregados da Caixa Econômica Federal. É claro que, em uma sociedade democrática, as manifestações são legítimas e devem ser respeitadas. 
No caso do grupo mencionadocontudo, o que se observa é uma manifestação de ódio e um desejo fixo e pré-estabelecido de condenar e punir sumariamente pessoas previamente escolhidas, antes mesmo e independentemente de qualquer investigação, ainda que não haja provas ou sequer indícios da participação dessas pessoas na prática de atos ilícitos.  Seguem a mesma lógica da oposição que busca criminalizar pessoas por questões meramente ideológicas e partidárias, sendo, portanto, inaceitáveis. Esse comportamento rompe completamente com o propósito da CPI, que deve ser o de apurar eventuais déficits nas operações dos fundos de pensão, identificar as suas causas determinantes e, principalmente, esclarecer se houve dolo nas operações que ensejaram tais déficits e quais gestores as autorizaram. 
Ataques injustificáveis
São injustificáveis as demonstrações de ódio contra o ex-presidente da FENAE – Federação Nacional dos Empregados da Caixa –, Sr. Pedro Eugêniopelo simples fato de ter sido sócio, detentor de uma única cota, com valor unitário de R$ 40,00 (quarenta reais), de uma das empresas do grupo FENAE – a PAR-Tecnologia, que aluga, a preços de mercado, uma plataforma para a FUNCEF, assim como o faz para outras empresas.  A aquisição de tal cota foi apenas para cumprir uma formalidade estatutária, pois, ao ser eleito para a presidência da FENAE, passaria a integrar também o Conselho de Administração da empresa holding do grupo FENAE, o que só é permitido aos sócios das empresas que o integram.  É fundamental esclarecer, no entanto, que sobre o Sr. Pedro Eugênio, cuja convocação me acusam de tentar impedir, não paira qualquer acusação.  Em momento algum fui contra a convocação de pessoa alguma. Deve ser destacado que entre os mais de 100 requerimentos de convocação apresentados, foram aprovadas as convocações de José Dirceu e de representantes das empresas Sete Brasil, Engevix etc, seguindo critérios de prioridade definidos pela própria CPI e que visam à identificação de eventual conexão entre os déficits atuariais registrados pelos fundos de pensão e os fatos que são objeto de investigação na Operação Lava Jato. Todas as convocações foram aprovadas por consenso.  
As informações segundo as quais eu estaria atuando para impedir o aprofundamento das investigações ou visando à “proteção de sindicalistas” são falsas e mentirosas e serão respondidas na Justiça por quem está disseminando-as. Dediquei à luta dos empregados da Caixa e à defesa da FUNCEF os melhores anos de minha vida. Nunca optarei por menosprezar, em prol de qualquer interesse partidário, minha história e meu compromisso com a categoria.
Quero lembrar que enquanto esses que estão aplaudindo nossos algozes, pois foi no Governo FHC que se originou parte substancial do déficit atuarial, estavam deitados em “berços esplêndidos” com suas “funções de confiança”, enfrentávamos o desmonte da FUNCEF e lutávamos para aprimorar a sua governança, democratizar o seu funcionamento e aumentar o controle sobre os seus investimentos. Não me venham, pois, com ataques grosseiros nas redes sociais. Lutemos pela FUNCEF e por assegurar, de fato, as nossas aposentadorias. Não permitamos que sejamos utilizados como “massa de manobra” por aqueles que provocaram a gestão temerária da FUNCEF e estão preocupados apenas com seus interesses partidários.
Aliás, com relação à FUNCEF deve ser lembrado que, no período de 2003-2014, a rentabilidade acumulada dos investimentos do fundo foi de 441%, superando a meta atuarial de 284%. Entre 2012 e 2014, só o investimento em renda variável, em razão do fraco desempenho da bolsa de valores no período e, sobretudo, pela forte desvalorização das ações da Vale, não alcançou a meta atuarial. 
É preciso lembrar, ainda, que o próprio representante dos participantes do FUNCEF, Sr. Antônio Augusto de Miranda e Souza, eleito após derrotar o candidato apoiado pelas entidades sindicais, aprovou tanto o plano de investimentos como o balanço da entidade, uma vez que não identificou quaisquer irregularidades nos citados demonstrativos.
Sobre a Vale
Os investimentos em ações da Vale merecem uma explicação mais detalhada. De fato, é preciso lembrar que, na década de 90, como parte do processo de desmonte do Estado brasileiro por meio das privatizações das empresas estatais, ocorrido durante o Governo FHC, alguns fundos de pensão de empresas estatais (FUNCEF, PREVI, PETROS etc), além do BNDES, foram compelidos a participar, em 1997, de um acordo societário para viabilizar a privatização da Vale do Rio Doce.  Nesse acordo, foi incluída uma cláusula obrigando os fundos de pensão a permanecer por um prazo mínimo de 20 anos com as respectivas quotas societárias. Ou seja, até 2017, os fundos de pensão estão impedidos de se desfazer dos investimentos realizados na Vale. Com isso, o FUNCEF e os outros fundos mencionados foram obrigados a contabilizar elevados prejuízos em suas carteiras de renda variável. Outro aspecto que precisa ser lembrado é que, em 2002já no final do GOVERNO FHC, o banco BNY MELLON foi escolhido para administrar, por um período mínimo de 10 anos, as quotas dos fundos de pensão nesse investimento. Por isso, somente em 2012, a FUNCEF e a PETROS puderam substituir o BNY MELLON pela CAIXA como gestora desses títulos.
Desmontes na Era FHC
Além da obrigação de participar da privatização da Vale do Rio Doce, muitas outras medidas adotadas durante o Governo FHC impuseram imensos prejuízos à FUNCEF e a outros fundos de pensão como o PREVI, PETROS, POSTALIS etc. Para que se tenha uma ideia desses prejuízos, basta dizer que, em 2014, a FUNCEF foi obrigada a provisionar um valor correspondente a R$ 1,04 bilhão para perdas financeiras decorrentes de aplicações financeiras malsucedidas, feitas no período de 1995-2001, em debêntures e ações de empresas como Gazeta Mercantil, Casa Anglo, bancos Nacional e Crefisul, Lorenz, Hopi Hari, Prometal etc.
Além disso, o brutal achatamento salarial imposto aos empregados da Caixa Econômica Federal durante os dois mandatos de FHC – não houve qualquer reajuste no período de 1996-2001, à exceção do ano de 1998, quando tiveram mísero 1% de reajuste. Isso exigiu que, no momento de se fazer o saldamento dos Planos de Benefício Definido, para recompor a perda sofrida por seus participantes, fosse feito um aporte de recursos de R$ 8,02 bilhões. Registre-se que, em plebiscito realizado à época, esse aporte de recursos foi aprovado por mais de 80% dos associados.
Um dos instrumentos do arrocho salarial foi o novo mecanismo de remuneração das funções gerenciais dos gestores da Caixa Econômica, implantado em 1998, chamado de CTVA – Complemento Temporário Variável de Ajuste de Mercado. Por esse mecanismo, a Caixa não precisava fazer o aporte de recursos à FUNCEF sobre a parcela remuneratória correspondente às funções. Isso resultou num passivo potencial de R$ 9,4 bilhões para a FUNCEF, em relação ao qual a FUNCEF já precisou provisionar um montante de R$ 517,3 milhões. Essa é mais uma clara demonstração de que a explicação principal para eventuais déficits atuariais que possam vir a ser apresentados pela FUNCEF, assim como por outros fundos de pensão de trabalhadores de estatais, deve ser buscada principalmente, e de forma preponderante, em medidas administrativas baixadas durante os dois mandatos do Governo FHC.
Oportuno destacar, ainda, que, a partir de 2006, medidas econômicas e outras de natureza prudencial, terminaram se refletindo na gestão dos planos de benefícios dos empregados da Caixa, no médio e longo prazo, e impactando os seus resultados. Entre essas medidas devem ser citadas a retirada do limite de idade, alterações de tábuas, reajuste de benefícios saldados, redução nas taxas de juro, reajustes reais de benefícios saldados etc.
Legislação deve ser revisada
Em que pese todas as considerações feitas anteriormente, entendo que os beneficiários de fundos de pensão não devem ser penalizados por possíveis desequilíbrios conjunturais dessas entidades. Acho fundamental e urgente, portanto, a revisão da legislação que disciplina o funcionamento dessas entidades no sentido de que seja alongado o prazo atualmente vigente para que, na hipótese de que os fundos de pensão eventualmente venham a apresentar déficits atuariais, possam adotar as medidas necessárias que assegurem o ajuste de seus resultados. Outra alteração que considero fundamental na legislação é quanto à vedação do voto de qualidade nas decisões dos órgãos colegiados que integram a estrutura administrativas dessas entidades.
Orgulho de ser bancária
Por fim, quero reiterar o meu compromisso inarredável com a defesa permanente dos direitos dos empregados e empregadas da Caixa, que, aliás, tem sido demonstrado e renovado diariamente ao longo dos 33 anos que, com muito orgulho, integro o seu quadro funcional. Apenas a título de ilustração, quero registrar a luta histórica travada para assegurar o direito dos empregados da Caixa de serem reconhecidos como bancários e, inclusive, pelo direito à jornada diária de 6 horas de trabalho, assim como pelo direito à sindicalização. Foi o reconhecimento dos empregados da Caixa como bancários e do direito à sindicalização que lhes permitiu participar da campanha salarial em igualdade de condições e na mesma época do ano daquela realizada pelos empregados de outros bancos. Lembro também com orgulho da luta para que fosse assegurada a participação paritária dos empregados da Caixa nos órgãos deliberativos da FUNCEF.
Em homenagem, portanto, a esses 33 anos de luta dedicados à defesa dos direitos dos empregados e empregadas da Caixa é que, mais uma vez, reitero o meu compromisso incondicional com a exaustiva apuração dos fatos que justificaram a criação da CPI dos Fundos de Pensão no sentido de determinar se houve dolo, fraude ou qualquer outra ilicitude nos atos de gestão que, porventura, tenham contribuído para a geração de déficits atuariais na FUNCEF ou nos outros fundos de pensão. O meu compromisso é claro: NÃO CULPAR INOCENTES, MAS TAMBÉM NÃO INOCENTAR CULPADOS!
Erika Kokay é bancária e psicóloga. Exerce seu segundo mandato como deputada federal pelo PT-DF

Publicado originalmente em: http://www.brasil247.com/pt/colunistas/erikakokay/197919/Compromisso-com-a-defesa-dos-trabalhadores-da-Caixa.htm